Desempenhando um papel fundamental no financiamento de crédito rural no país, as cooperativas apresentam números crescentes e impressionantes. Segundo dados do relatório “Panorama do Sistema Nacional de Crédito Cooperativo 2023”, as cooperativas consolidaram um movimento de expansão anual acima da média do Sistema Financeiro Nacional (SFN), impulsionando o desenvolvimento de cooperados individuais e corporativos.
Esse crescimento é significativo especialmente nas regiões Norte e Nordeste, onde a participação do cooperativismo de crédito ainda é menor, mas está em crescimento. Os números evidenciam um cenário econômico positivo. Segundo o levamento, as cooperativas alcançaram R$ 731 bilhões em ativos, o que representa um crescimento de 24% no ano. Além disso, a carteira de crédito rural das cooperativas atingiu R$ 282 bilhões, aumento de 18,6% em relação ao ano anterior.
Levando em consideração os limites equalizáveis do Tesouro Nacional para custeio de linhas de investimento no Plano Safra 2022/23, o sistema cooperativo responde por 45% do volume de contratos e 45,7% dos valores do crédito de custeio, evidenciando a força do setor.
Um exemplo de expansão e atual abrangência do cooperativismo financeiro é o Sicoob, sistema do qual a Cocred faz parte e que detém a maior rede de agências no Brasil. Em 2023, a carteira de crédito do Sistema alcançou a marca de R$ 168,2 bilhões, crescimento de 14% em relação ao ano anterior. Desse total, 28,5% correspondem a financiamentos rurais e agroindustriais.
Um dos motivos da capilaridade do cooperativismo, especialmente no campo, é a presença significativa em áreas rurais, muitas vezes sendo a única instituição financeira disponível em municípios menores. Em 2023, por exemplo, as cooperativas estavam presentes em 57% dos municípios brasileiros. Isso reforça o papel desse modelo enquanto agente de inclusão financeira, proporcionando acesso a serviços financeiros essenciais para agricultores e pequenos produtores.
Em entrevista à Cocred Mais, o chefe do Departamento de Regulação, Supervisão e Controle das Operações do Crédito Rural e do Proagro (Derop) do Banco Central do Brasil, Claudio Filgueiras, aborda esses e outros números que corroboram com a análise da importância do cooperativismo no fomento do crédito rural no país.
Contador e Mestre em Contabilidade Financeira pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Filgueiras atua no Banco Central desde 1998, com passagens por supervisão de bancos, financeiras, corretoras e distribuidoras, administradoras de consórcios e cooperativas de crédito.
Na área acadêmica, Filgueiras foi professor universitário, ministrando disciplinas relacionadas ao mercado financeiro e contabilidade bancária em cursos de graduação e pós-graduação. Com mais de 10 anos de atuação no segmento de cooperativas de crédito, ocupa a chefia do Derop desde 2017.
Filgueiras prevê um cenário positivo de crescimento do cooperativismo em 2025, com expectativa de aumento da participação do setor tanto no mercado como no crédito rural. Confira na entrevista.
Pela sua experiência no Banco Central e conhecimento obtido ao longo de tantos anos de atuação no segmento, qual a importância do cooperativismo de crédito dentro do Sistema Financeiro Nacional? Como o cooperativismo vem se comportando e quais as expectativas para os próximos anos?
Claudio Filgueiras | Conforme podemos ver nos gráficos, desde o ano-safra 2020/2021, a participação do sistema cooperativo em termos de valores gira em torno de 20% do crédito rural, sendo ligeiramente superior em quantidade de contratos, quando comparada aos valores concedidos. As cooperativas atingem regiões que não são atendidas pelos bancos, além de terem relação próxima com o cliente, que é cooperado. Outro fator muito importante é que as cooperativas são um grande impulsionador da inclusão financeira.
O crédito rural tem um peso importante na carteira de crédito das cooperativas do país. Como analisa o papel e a contribuição das cooperativas financeiras no fomento desses recursos e na promoção da justiça financeira no campo?
Claudio Filgueiras | A importância das cooperativas na redução dos níveis de concentração do crédito rural pode ser percebida por meio da comparação da representatividade no valor na quantidade de contratos. Tomando-se o ano calendário de 2024, no crédito de custeio, por exemplo, em números aproximados, de um lado, as cooperativas representam 25% do valor e 37,5% da quantidade de contratos, com um ticket médio de R$ 140 mil; de outro lado, os bancos privados representam 14% do valor e 2,5% da quantidade de contratos, com valor médio em torno R$1,1 milhão. Os bancos públicos têm um ticket médio de R$ 211 mil. Novamente, cabe mencionar que as cooperativas são muito importantes para a inclusão financeira: estão presentes em municípios que não são atendidos pelos bancos, além de possuírem interligação com cooperativas agropecuárias locais. É importante também evitar a concentração de recursos, mantendo limites individuais por beneficiário.
O diretor financeiro do BNDES, Alexandre Abreu, disse que as cooperativas de crédito estão provocando uma “revolução silenciosa”, disputando com gigantes, como o Banco do Brasil. Isso acontece devido a uma relação histórica mais próxima entre cooperativas e o agronegócio – os produtores rurais?
Claudio Filgueiras | O sistema cooperativo, cada vez mais, aumenta sua participação na agricultura familiar. O modelo cooperativo, em sua origem, já é o que tem maior proximidade com os produtores. Essa proximidade favorece a identificação das necessidades e dos melhores potenciais de cada cooperado, propicia o estabelecimento de relação de confiança e gera prosperidade. É uma relação ganha-ganha.
Quando analisamos os limites equalizáveis do Tesouro Nacional somando os resultados dos cinco principais sistemas cooperativos brasileiros, encontramos um valor superior aos dos bancos privados no Plano Safra 2022/23. Por que as cooperativas financeiras têm sido o principal acesso aos recursos do Plano Safra?
Claudio Filgueiras | Até poucos anos atrás, só as cooperativas e os bancos públicos tinham acesso aos recursos equalizáveis. A Lei nº 13.986, de 7 de abril de 2020, que modificou a Lei nº 8.427, de 27 de maio de 1992, permitiu que todas as instituições financeiras se habilitassem perante o Tesouro Nacional para participarem de leilões de equalização. No entanto, até hoje, os bancos privados ainda têm pouca participação nos leilões, sendo que alguns deles não têm demonstrado interesse em participar. O quadro apresentado na introdução demonstra a participação do sistema cooperativo nos recursos equalizáveis do crédito rural.
O ano de 2024 tem sido definido por produtores rurais e empresários do agro como desafiador. Muitos resultados ficaram abaixo do esperado em termos de produtividade, principalmente devido às condições climáticas. De que forma este cenário deve impactar a concessão de crédito rural no próximo ano?
Claudio Filgueiras | O final de 2023 teve excesso de chuvas no Sul, o que levou a perdas, especialmente no trigo. Já em 2024, houve seca no Centro-Oeste, que causou perdas nas lavouras de verão, notadamente a soja. Adicionalmente, houve redução dos preços internacionais das commodities, o que impactou as receitas dos produtores. A chuva excessiva em abril e maio de 2024, no Rio Grande do Sul, não impactou significativamente a produção deste ano, mas deve impactar a produção futura, visto que houve perda de infraestrutura e há necessidade de recuperação do solo. O ano de 2024 também tem sido marcado por recuperações judiciais de produtores e de empresas ligadas ao agronegócio, o que traz intranquilidade para o ambiente de negócios. Diante do exposto, o nível de exigência para concessão de crédito rural por parte dos agentes envolvidos tende a ser maior.
Considera que a dívida agrícola seja um entrave ao crescimento do agronegócio no país?
Claudio Filgueiras | O percentual de operações “em atraso” e “inadimplentes” era de cerca de 1,7% em 2021, e de 3,3% em outubro de 2024. Houve, portanto, aumento de quase 100%, mas ainda dentro de níveis controláveis. Espera-se, para esta safra, novo recorde de produção e melhora nos preços das commodities. Se essas condições se concretizarem, vão favorecer a recuperação do setor.
A Sicoob Cocred tem um compromisso com o desenvolvimento socioeconômico das comunidades onde está presente e cresce à medida que fortalece essas localidades. Como analisa essa relação de mútuo desenvolvimento?
Claudio Filgueiras | Ao integrar pessoas que isoladamente teriam dificuldade de prosperar em seus negócios, o cooperativismo aparece como oportunidade de alcance de melhores resultados: pode haver ganhos de escala, propiciando melhores condições de negociação tanto na venda de produtos como na aquisição de insumos, além do aproveitamento de sinergias entre os cooperados, com reflexos positivos em toda a comunidade. Desde o início dos anos 2000, o Banco Central vem trabalhando para promover o desenvolvimento do cooperativismo de crédito no país, em especial a estrutura, a governança, e a organização das entidades. A regulamentação do setor promoveu a profissionalização dos dirigentes e a consolidação das estruturas e dos diversos níveis do sistema. Áreas distintas do Banco Central – regulação, organização e supervisão –, ao constituírem equipes especializadas em cooperativismo de crédito, possibilitaram que o Sistema Nacional de Crédito Cooperativo tivesse grande desenvolvimento ao longo dos últimos anos, a exemplo do que mostra o “Panorama do Sistema Nacional de Crédito Cooperativo”, publicado anualmente pelo BC desde 2016.
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