Por mãos e asas femininas, Heborá valoriza práticas ESG

Por mãos e asas femininas, Heborá valoriza práticas ESG

Em tupi-guarani, Heborá significa “o que há de ter mel”. A palavra deu origem ao nome de uma espécie de abelha sem ferrão, a borá, que também é conhecida como vorá, jataizão ou cola cola, e produz um mel que mistura sabores doce e levemente salgado, lembrando queijo. Por isso, é visto como um produto bastante promissor, especialmente na culinária.

Mas Heborá também deu nome a uma empresa, que há tempos deixou de ser apenas promessa e trabalha, justamente, com produtos de abelhas sem ferrão. Fundada e dirigida toda por mulheres, o empreendimento funciona no Supera Parque, centro de tecnologia e inovação de Ribeirão Preto, localizado no campus da Universidade de São Paulo (USP), onde a fundadora da Heborá, Juliana Feres, concluiu seu Doutorado.

Faltava pouco para terminar a pós-graduação quando amadureceu a ideia de montar um negócio. Bióloga, especialista em polinização de áreas naturais, ela conta que, na época, se dedicava à recuperação de fragmentos florestais e encontrava dificuldades de se inserir no mercado. Pesava uma condição: mãe do Francisco, precisava se dividir entre a carreira e as responsabilidades maternas. “Eu participava das entrevistas de emprego e era claramente eliminada por já ter um filho”.

Por outro lado, o próprio Francisco apontaria um caminho. O menino sofria de um problema crônico nas amígdalas e o médico sugeriu retirá-las. Buscando alternativas à cirurgia, Juliana foi pesquisar produtos naturais com ação bactericida que pudessem complementar o tratamento com medicamentos. No departamento de genética da USP, o mesmo em que atuava, encontrou um colega que pesquisava a ação de mel de abelhas sem ferrão em bactérias super-resistentes. “Falei: ‘vou dar mel de abelhas sem ferrão para o Francisco’. Mas qual? Quase não tinha”.

Ela não sabe se foi o pouco que conseguiu que ajudou o filho a melhorar e se livrar da mesa de operação. Mas teve uma certeza: estava encantada com as abelhas. “Ser mãe me permitiu um resgate potente da Juliana pesquisadora”. E o começo da Juliana empreendedora.

Surge a Heborá
Após o Doutorado, ela foi viver na casa dos pais, em Getulina, noroeste paulista. Mas logo retornaria a Ribeirão, empolgada com a proposta de buscar ajuda na universidade para trabalhar com abelhas. “Elas são minha válvula propulsora profissional, o que alimenta o meu interesse de continuar desenvolvendo a atividade no Brasil”.

Pensando na própria dificuldade de ser aceita no mercado, escreveu um projeto pelo qual buscava um olhar atento para outras mulheres. Queria transferir a elas o conhecimento que havia adquirido. O projeto foi aprovado, mas a verba não veio. Precisando gerar renda, começou a comprar mel de alguns produtores e revender.

Os primeiros clientes foram da família, que também se encantou e começou a se envolver. Seria o primeiro passo para o surgimento da Heborá, em 2015. A irmã de Juliana, Mariana Feres, que é da área de computação, desenvolveu logotipo, identidade visual, entre outros trabalhos, o que foi decisivo para a profissionalização do negócio. E, na fase dos primeiros protótipos de produtos, elas ganharam mais duas sócias: Thaís Guaratini e Elaine da Cunha.

Uma herança, também familiar, inspirou o início da trajetória. O avô de Juliana mantinha sob seus cuidados, até falecer, uma caixinha de abelhas Jataí. Por mais de meio século, a colmeia havia passado por gerações. Uma demonstração de que resistência e cooperação seriam elementos-chave para o sucesso da empresa.

Dois anos depois do nascimento da Heborá, seria lançada a primeira linha de cosméticos naturais com produtos das abelhas, ainda artesanal. A mudança das instalações para a incubadora do Supera Parque, em 2020, traria novas potencialidades. No mesmo ano, foi lançado o spray de mel de Jataí. E, em 2022, mesmo ano em que a empresa se tornou cooperada da Cocred, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) concedeu autorização para atividade de fábrica, o que permitiu produzir xampus, condicionadores e máscara.

A Heborá tem, também, pomadas e bálsamo. E, entre os comestíveis, além do mel e do spray, oferece própolis. Tudo com a preocupação de alinhar a produção e o envase a práticas de ESG, sigla em inglês para Ambiental, Social e Governança, e que, no Brasil, tem virado sinônimo de sustentabilidade.

Da esquerda para a direita: as biólogas Ana Laura Benatti, Juliana Feres e Bianca Armelin, e a farmacêutica Elaine da Cunha

Práticas
A vertente ambiental aparece já no modelo de negócio. Juliana explica que as abelhas, fundamentais na polinização, só são vistas e se multiplicam em ambientes que estão em regeneração. No portfólio da empresa, estão o mel de Jataí e a própolis de Mandaguari, duas das mais de 200 espécies de abelhas nativas sem ferrão do Brasil – a maior biodiversidade nesse aspecto do planeta. Elas são as protagonistas, mas a Heborá comercializa, também, produtos de abelhas com ferrão.

“Consumir produtos de abelhas é ajudar nesses processos de regeneração. Isso é algo que tento trazer, seja nos ambientes acadêmicos, comerciais e institucionais que frequento. É um paradigma que a sociedade brasileira precisa encarar e mudar. Assumir a diversidade de biomas e méis de abelhas que existem no país”.

O aspecto social passa pelo estímulo ao empreendedorismo, principalmente de mulheres rurais que fornecem a matéria-prima, e pelas atividades de capacitação desenvolvidas com os produtores, tecnificando a mão de obra e remunerando com valores justos. Além da região de Ribeirão Preto, eles estão distribuídos em outras cidades do Estado de São Paulo e também no Paraná, na Bahia, no Espírito Santo e na região amazônica.

Segundo Juliana, a valorização de nichos regionais é fundamental para que a produção seja sustentável, pois facilita rastrear a matéria-prima, conhecer as necessidades dos fornecedores e garantir apoio para saná-las, promovendo, com isso, qualidade de vida, tanto aos produtores quanto às comunidades das quais eles fazem parte.

“Acredito que o único tripé possível para uma empresa que trabalha com produtos da biodiversidade brasileira, como a nossa, é a associação entre ciência, empreendedorismo e desenvolvimento da cadeia. Assim, a gente colabora para desenvolver o ESG de outras empresas e associações”, afirma Juliana.

A lembrança daquela caixinha que o avô deixou de legado sempre vem à tona nas atividades com os produtores, como Renata Moreira e o marido, Anderson, que têm um sítio arrendado em Jardinópolis – o Recanto Abelha Nativa. Pelas mãos deles, outras caixinhas ganham vida. O casal mantém, na propriedade, uma oficina para fabricar esses objetos, que, em madeira, assumem vários formatos. Por mês, saem da pequena marcenaria de 200 a 400 caixinhas, parte fornecida a projetos educativos da Heborá.

Juliana Feres, fundadora da Heborá

Há pouco mais de seis anos, Anderson e Renata se mudaram de uma casa na zona urbana para o sítio pensando em ampliar a criação de abelhas. Eles têm 500 caixinhas – 400 caixinhas com espécies sem ferrão e 100 com ferrão. Cerca de 200 estão na propriedade, voltadas, principalmente, à multiplicação de enxames, e outras 300 em áreas de mata, visando à obtenção de produtos como mel e pólen.

Anderson conta que o interesse dele pelas abelhas nativas sem ferrão surgiu há 22 anos, quando tinha 12. Depois de ver um enxame na casa de um amigo, ficou intrigado e quis conhecer melhor a atividade. Hoje, além de tirar o sustento da família e ajudar na recuperação ambiental, ele e Renata participam de atividades de conscientização em escolas, sobre a importância da preservação. Para isso, usam objetos lúdicos, como as próprias caixinhas, muitas das quais remetem a brinquedos, e abelhas de pelúcia.

Tecnologia e mulheres
Atividades artesanais, como as caixinhas de Renata e Anderson, se somam, na Heborá, ao investimento em automação, que contribui para compor o terceiro pilar do ESG, a governança. Segundo Juliana, a empresa valoriza a gestão descentralizada, horizontal e democrática, por meio de um Conselho de Administração.

O aprimoramento dos processos tecnológicos, do campo à mesa, rendeu, em novembro de 2022, o Prêmio Automação, promovido pela GS1, organização que, há mais de 50 anos, prestigia projetos de empreendedores, imprensa e entidades que atuam em prol da qualidade de vida e dos negócios. O tema da edição foi “Evoluir Transforma”, em referência à busca por melhorias que aumentam a eficiência e a competitividade.

Juliana destaca que o fato de a Heborá ser gerenciada apenas por mulheres é um elemento essencial nesse cenário inovador. Com o slogan “Por mãos e asas femininas”, a empresa caminha para construir uma rede de pessoas dispostas a buscar soluções para projetos com abelhas no Brasil e impulsionar o consumo, um dos gaps da cadeia, já que os produtos, sobretudo os de abelhas sem ferrão, ainda são pouco conhecidos no país.

A proposta dialoga com a estrutura das colmeias, em que a rotina de produção, coletiva e colaborativa, é responsabilidade das fêmeas. Da mesma forma, as sócias da Heborá pretendem consolidar, também, o significado do nome da empresa: que o Brasil seja um lugar onde sempre “há de ter mel”. E que, para além de recuperar ambientes, as abelhas possam regenerar, também, os humanos – a exemplo do que aconteceu com a própria Juliana. “Eu sou uma entusiasta. Acredito muito na força da relação entre a criação de abelhas e uma transformação socioambiental”.

Revista Cocred Mais

Para conferir esta e outras reportagens na edição 43 da Revista Cocred Mais, clique aqui e acesse a versão digital.

Anderson e Renata

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